Educação com GARRA
- Bruna Miato
- 9 de dez. de 2019
- 5 min de leitura
Atualizado: 11 de dez. de 2019
Por Bruna Miato e Mariana Mendes
Na Rua das Valerianas, no bairro Vila Bela, zona leste de São Paulo, dois mundos se encontram. De um lado, existe o Colégio Nossa Senhora Aparecida, cheio de crianças frenéticas e jovens estudiosos. Do outro lado da rua, a Paróquia Nossa Senhora da Glória recebe as senhoras religiosas cheias de energia. Essas duas instituições se unem com o intuito de dar e receber conhecimento e cidadania para a comunidade a qual pertencem com o projeto GARRA: Grupo de Amigos Reunidos para Resgatar o Amor.
Mais conhecido como a “Pastoral”, o projeto que unifica as diferentes gerações acredita que a educação é a chave transformadora para um mundo melhor. Durante o ensino médio, todos os alunos do Colégio, que pertence à Imaculada Rede de Educação, podem participar da Pastoral GARRA.
Os alunos se dividem entre as ações dentro da escola, as aulas de inglês, aulas de informática e acompanhamento artístico no artesanato. E independente da área que vão atender a regra é simples: tem que ter comprometimento e carinho pelo que estão fazendo. Afinal, o objetivo do grupo é transformar a comunidade que estão inseridos em um lugar com mais amor por meio da educação.
Toda quarta-feira, às 14:00, acontece a reunião da pastoral com a professora responsável pelo projeto, Ana Paula Palmezan, e os estudantes. Eles se encontram na sala 10, no 3° andar da escola. Nesses encontros, eles falam sobre os seus próprios projetos, além de iniciativas inclusivas de outros lugares. Periodicamente, em vez de uma reunião dentro da sala de aula, eles partem para a ação e visitam essas iniciativas, que os próprios alunos podem sugerir. Nas últimas dessas visitas, eles conheceram um dos orfanatos que existe na região da Vila Prudente e a Liga Paulista de Orientação e Assistência aos Cegos.

Reunião dos alunos da Pastoral com a Profª Ana Paula
Conversando com alguns desses estudantes que participam da Pastoral, o sentimento que reina é a gratidão. Com as aulas, os eventos e visitas que realizam, Gustavo Banhos, 16 anos, sintetiza que podem perceber as diferentes realidades que existem no mundo. “Para de ser um mundo só seu”, afirma ele.
O desenvolvimento do trabalho solidário, segundo os jovens, possibilita uma troca de experiências com outras gerações e sujeita eles a uma autorreflexão. Além disso, o projeto mostra como é possível fazer a diferença no mundo. Gustavo afirma que “ajudar e ensinar sem querer nada em troca” dá esperança para os jovens e é como se “tivesse o poder de mudar o mundo pela educação”.
Sobre os trabalhos com idosos, os jovens ressaltam as coisas boas e ruins. Gustavo e sua outra colega Paula Pisano, 16, dão aulas de inglês para pessoas de mais de 40 anos. Ressaltam que é preciso paciência para ensiná-los, pois eles têm dificuldade de aceitar algumas coisas. Paula também diz que foi necessário adaptar sua linguagem, o modo como falar com os outros precisava ser diferente.
Entretanto, um consenso entre os estudantes é de que a troca de aprendizado é equivalente, pois todos os dias “a gente sai sabendo algo novo”, afirma Helena Caetano, 15 anos, que visitou junto com outros colegas a Liga Paulista Orientação Assistência Aos Cegos.
A visita à um orfanato também foi um destaque para os jovens. Marcele Idas, 18 anos, comenta que foi gratificante conhecer as histórias de crianças e brincar com elas. Além disso, ela relembra do momento em que chegaram no local e estavam todos esperando por eles.
Mariana Paula Andrade, 15 anos, diz que a escola procura “formar alunos para ser mais humanos” e isso vêm muito da Pastoral. Os projetos, assim como a escola, são de cunho religioso e católico, mas a jovem afirma que são todos tolerantes e abertos a outros pensamentos, desde que o princípio fundamental seja a cidadania.
Mãozinhas Arteiras
Ao entrar na pequena sala do lado de fora da Paróquia Nossa Senhora da Glória, as vozes ecoavam cada vez mais forte. Cerca de vinte mulheres, dos 40 aos 80 anos, estavam sentadas em cadeiras de madeira dispostas em um semi círculo torto. No centro havia uma mesa retangular cheia de bolos, tortas e outras delícias.
Ali estava o grupo de artesanato da Pastoral de 2018, ou Mãozinhas Arteiras, como se denominam, precisamente às 14h30 como toda quarta-feira do resto do ano. Porém, naquele dia, ninguém ia costurar, bordar ou construir nada. As mulheres estavam ali apenas para agradecer pelo ano que passaram juntas, em uma simples mas significativa celebração de fim de ano.
Nos receberam de coração aberto. Quando perguntamos se poderíamos fazer algumas perguntas sobre o projeto, uma das senhoras exclamou “se vieram para conversar, vocês chegaram no lugar certo”. As risadas simpáticas nos atraíram a ficar e elas soltaram o verbo, como se estivessem falando com velhas amigas.

As mãozinhas arteiras
Com as falas atravessando e colidindo, não conseguimos identificar o que cada senhora falou, mas, sobre a Pastoral, o sentimento era o mesmo: de agradecimento.
O grupo relatou que os feitos artesanatos eram frutos de uma troca de aprendizados, “uma ensina a outra”, afirmou uma delas. E com isso, o projeto possibilitou a elas uma nova rotina, em que poderiam tirar duas horas para si mesmas, tendo um grupo disponível de amigas, confidentes e psicólogas.
Essa mutualidade também se expressa na relação com os alunos que dão aulas. Elas afirmam que é divertido “entrar na geração” dos jovens. Além disso, as senhoras participam de outros projetos com a escola, como a organização de feiras e festas juninas.
Sueli Martins, 74 anos, diz que a soma de igreja e escola aproxima o senso de comunidade na vila, e consequentemente, as pessoas.
Cida Fernandes, 56 anos, conta sua história e fica claro a importância do grupo para a sua vida. Cida sofreu um AVC há um ano. Quando se recuperou, não perdeu tempo e voltou para o grupo de artesanato. Ainda mais forte, foi participar também das aulas de informática e aprendeu a computar.
Sobre tecnologia, uma delas afirma que o projeto deveria ter aulas mais aprofundadas voltadas para os celulares. “Eles precisam ensinar a gente a tirar print”, ela comenta.
A história de Fausta, 79 anos, também se destacou. Mais falante que as outras, ela disse que borda desde os nove anos de idade. Apesar de conhecer e participar da Pastoral há 20 anos, desde quando a filha estudava no Colégio Nossa Senhora Aparecida, foi a neta que incentivou ela a participar das Mãozinhas Arteiras. “Essas experiências só acrescentam” afirma Fausta.
Ela declara que se anima fazendo os artesanatos, pois esquece dos problemas quando está com as amigas. Ressalta também que já ganhou dinheiro vendendo alguns de seus feitos em feiras, como muitas outras que fazem do artesanato produzidos naquele espaço, uma fonte de renda.
Fausta também diz que a Pastoral é muito importante para tiras as senhoras de terceira idade de dentro de casa. “Você ter alguém te ensinando uma coisa nova, como o inglês ou informática, ou poder mostrar para essas pessoas mais novas como fazer um bordado te mostra que você não é inútil e te dá vontade de viver mais 100 anos”, comenta.
A última visita que fizemos à Pastoral não pode ser muito longa pois agora, nessa época de fim de ano, eles estão montando uma apresentação gigantesca para toda a comunidade falando sobre o verdadeiro sentido do Natal, “ensinando de uma forma linda e lúdica, para todos, a como amar mais”, como explica a professora Ana Paula.
Mas passando meia hora ou um ano inteiro com eles a percepção é clara: não é só sobre aprender coisas práticas que são exigidas em um vestibular, mas, principalmente, sobre entender que o papel de uma pessoa no mundo é fazer dele um lugar melhor, seja em pequena ou grande escala. E no fim das contas, não são só as senhorinhas que aprendem inglês, informática ou noções artísticas. Mas uma comunidade inteira é ensinada a ter mais cidadania, tolerância e amor.
Comments